MANOEL CANADA
PINACOTECA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

ABERTURA 29/02/20, SÁBADO, 15H | ATÉ 23/05/20
Terça a sábado, das 9h às 18h
PINACOTECA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
Rua Kara, 105 – Jardim do Mar, São Bernardo do Campo
11 2630-9613

A CIDADE É MODERNA DIZIA O CEGO A SEU FILHO

Fundada em 1975, a Pinacoteca de São Bernardo do Campo é o maior espaço de exposição permanente de arte contemporânea da região do ABC, com quatro espaços expositivos, auditório, biblioteca de arte com mais de 8000 volumes e um jardim de esculturas com 39 obras. Em seu acervo, de mais de 1500 obras, inclui nomes como Volpi, Sacilotto, Sarro, Peticov, Aldemir Martins, Maria Bonomi e Júlio Plaza, entre outros.
Com a exposição da recente fatura do artista Manoel Canada, a Pinacoteca de São Bernardo do Campo reafirma sua vocação de valorização da produção artística e cultural contemporânea, a abertura à representação da diversidade cultural e a construção de espaços de diálogo com a produção nacional e internacional contemporâneas.
SECRETARIA DE CULTURA E JUVENTUDE

MEMÓRIA MORFIA / POR ADOLFO CABOCLO / CURADOR

Cercado de livros e xícaras de café, ostentando uma paleta organizada e rica em tonalidades sutilmente variadas, Manoel Canada desenvolve seu trabalho em seu ateliê, na região central de São Paulo, cidade em que nasceu. Em sua sala apresenta narrativas, esmiúça a história da arte e recebe visitantes com conversas sinceras – olho no olho. Cria observando simultaneamente o passado, o presente e o futuro. Sua obra é majoritariamente composta de telas de óleo sobre linho feitas em grandes dimensões.

Como herança de sua bagagem oriunda do ofício do restauro, Manoel desenvolveu uma excelência incomum no acerto de cores e composições. Tal habilidade pode sugerir certa semelhança estética a alguns pintores brasileiros da segunda metade do século XIX. O ritmo das árvores pintadas por Canada talvez lembre algo do academicismo ou do realismo do Brasil imperial. A comparação se torna quase irresistível quando somada à informação de que o artista também é um acadêmico. Exerce a profissão de professor universitário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), porém é um equívoco apontar uma lógica academicista na obra do mestre Manoel.

Neste recorte do trabalho de Canada apresentado pela Pinacoteca, a exposição Memória Morfia traz um constante olhar do artista para a cidade, podendo invocar o conceito de flâneur proposto por Walter Benjamin. No entanto, esse termo não corresponde totalmente à natureza da obra do artista. Se o início deste texto ecoa a obra de Manoel Canada perante o academicismo brasileiro, também pode-se aludir seus traços e até mesmo seu estilo de vida aos moldes de um homem moderno.

Por exemplo, através de uma breve leitura da figura de Tarsila do Amaral, considerada atualmente como a modernista mais influente dos trópicos, a história nos mostra que a artista foi dona de uma das principais obras do realismo brasileiro, O Violeiro (1899), de Almeida Júnior. Tarsila também nasceu e cresceu em uma fazenda paulista e chegou à maioridade falando fluentemente o idioma francês. Ou seja: fazendo um paralelo entre a maior estrela da modernidade e o próprio modernismo, de alguma forma concluímos que a modernidade no Brasil se desenvolveu olhando para o realismo, além de possuir como importante ingrediente a cultura rural e, também, a cultura francesa. Uma tendência francófila – consolidada lá atrás, com a chegada de Debret e toda a Missão Francesa do Brasil, em 1817 –, que nos faz querer usar termos do idioma – como flâneur – para quem retrata os transeuntes e as atuais paisagens em concreto erguido onde já foi o lar de barões do café.

Claro que Canada pode apresentar características de flâneur: algo de “errante” ou “vadio” que o termo sugere. Mas sua obra flerta, principalmente, com a contemporaneidade, muito mais do que com o modernismo. Se por um lado o modernismo apresenta narrativas romantizadas em suas figurações, por outro a contemporaneidade da obra de Canada propõe soluções para a costura do tecido da nossa memória e também, de forma elegante, subverte a realidade paulista, apresentando um trabalho que, ao mesmo tempo que fiel ao uso de uma mídia tradicional como a tela, impõe um diálogo relevante e inovador. Uma constante alteração da morfologia da memória.

Notório reflexo dessa conclusão foi o fato de o artista ter sido premiado em 2019 em dois salões: o Salão de Arte Contemporânea de São Bernardo do Campo, que retornou ao calendário da cidade de forma relevante em sua 12ª edição, e também o tradicional Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto.

Se em seu ateliê Manoel Canada dita o ritmo de sua pauliceia particular, brincando com as formas de um imaginário, aqui na Pinacoteca de São Bernardo esse pequeno mundo é recortado para enunciar o que foi figurado nos últimos cinco anos da carreira do artista. A imagem que foi subvertida entre livros e xícaras de café, com pinceladas tão contemporâneas que poderiam ser realistas.